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Tamanho não é tudo

Biólogo brasileiro diz que, além do peso absoluto, conceito de megafauna deve levar em conta o impacto relativo do animal em seu ecossistema

Megafauna pode ser traduzido como "o conjunto dos animais gigantes".

Apesar de esta definição poder incluir os dinossauros, o termo é mais usado para designar o conjunto dos animais pré-históricos de grandes proporções que conviveram com a espécie humana, e desapareceram no final da última Era do Gelo.


De acordo com um biólogo brasileiro, não é apenas o tamanho de um animal que deve ser levado em conta na hora de incluí-lo como representante da chamada megafauna. É preciso analisar também o contexto em que ele vive e qual é a extensão de seu impacto nesse ambiente. Um mamífero terrestre de uns poucos quilos que, em termos absolutos, é considerado de porte médio ou até pequeno deveria ser encarado como um exemplar de megafauna se o impacto de sua presença num ecossistema de dimensões reduzidas, como uma ilha, for similar, numa escala relativa, às repercussões causadas por animais muito maiores de ecossistemas mais amplos.

Em outras palavras, para ser considerado membro da megafauna, um bicho não precisa ser necessariamente grande e pesado, mas o impacto no local em que habita deve ser. "A fauna de tamanho médio de um ecossistema é a megafauna de outro ecossistema", diz o biológo Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro, que defende essa visão relativista sobre o conceito de megafauna num artigo científico escrito com o americano Dennis M. Hansen, da Universidade Stanford, e publicado na revista científica Science.

As definições clássicas de megafauna dizem respeito a animais continentais e advogam que bichos com peso superior a 44 quilos ou, segundo outros autores, apenas acima de uma tonelada podem ser acomodados nessa categoria.


"Mas, no contexto de uma ilha, um dodô de 15 quilos podia ser visto como um animal gigantesco", comenta Galetti. Extinto há 200 anos, o dodô (Raphus cucullatus) era uma ave incapaz de voar que vivia na ilhas Maurício, pequeno arquipélago do Índico, e media cerca de um metro.

O termo magafauna remete quase instantaneamente à história da extinção em várias partes do mundo de enormes vertebrados terrestres no período entre 50 mil e 10 mil anos atrás. Na América do Sul desapareceram grandes mamíferos, como as preguiças terrícolas gigantes e os gonfotérios (Stegomastodon superbus), um tipo de mastodonte com cerca de 7.500 quilos. Os bichos de grande porte que comem plantas são vistos como importantes num ecossistema porque ajudam a dispersar as sementes de grandes frutos, tendo um papel decisivo na manutenção da biodiversidade de espécies e no fluxo genético de uma região.

Se um animal avantajado se extingue numa dada localidade e outro, ainda que de menor porte, não consegue assumir seu papel ecológico nessa ecossistema - não consegue, por exemplo, mais carregar as sementes que o outro transportava -, haverá um empobrecimento da flora e da fauna local.

De toneladas para quilos - O problema é que, historicamente, tudo o que é grande está sendo varrido da face da Terra.

"Há um encolhimento no tamanho das espécies de animais frugívoros", comenta Galetti, estudioso da questão da dispersão de sementes em biomas do Brasil.

Nas ilhas, essa tendência é ainda mais acentuada do que na terra firme.

Para ilustrar essa questão, o pesquisador da Unesp e seu colega de Stanford analisaram o que ocorreu com grandes animais comedores de frutas em três tipos distintos de ecossistemas: em áreas continentais (sobretudo na América do Sul), numa ilha continental (Madagascar, perto da costa leste africana) e numa ilha oceânica (Maurício). Constataram que a diferença de peso entre o maior vertebrado extinto que já viveu nesses lugares e o maior animal que ainda habita esses pontos do globo é muito maior nas ilhas do que no continente. "Na América no Sul, essa diferença é da magnitude de uma ordem e em algumas ilhas, de duas ou três ordens", afirma Galetti, que fez o estudo da Science durante uma temporada em Stanford como bolsista do programa de pós-doutorado Novas Fronteiras, da FAPESP.

Aos números que mostram o que foi dito. O maior mamífero que vivia na América do Sul era o gonfotério, com suas 7,5 toneladas. Hoje é a anta, com cerca de 300 quilos. Em Madagascar, sempre lembrada como um santuário ecológico, o maior bicho do passado era o pássaro-elefante (Aepyornis maximus), expécie extinta que chegava a 450 quilos. Atualmente, é uma tartaruga (Astrochelys radiata) de 10 quilos. O mais pesado bicho a ter algum dia andado pelas ilhas Maurício foi uma tartaruga (Cylindraspis triserrata) de 100 quilos. Agora é o morcego da espécie Pteropus niger, também chamado de raposa-voadora, que pesa pouco mais de meio quilo. Deve-se ressaltar que a extinção dos maiores animais nessas ilhas é um processo mais recente (dos últimos 2 mil ou 3 mil anos) do que na América do Sul. Em termos ambientais, o sumiço dos maiores animais pode produzir um impacto mais acentuado nas terras insulares do que nos continentes porque nelas costuma haver menos espécies aptas a assumir o papel ecólogico dos antepassados extintos. Nos continentes, mesmo com o sumiço da megafauna e o encolhimento crescente dos exemplares de maior porte, há um grau de redundância ecológica maior entre as espécies e um número maior de animais pode desempenhar o papel de outras.

Mas pode estar com os anos contados a capacidade dos continentes de abrigar bichos relativamente pequenos se comparados com a clássica megafauna, mas grandes o bastante para assumir o papel ecológico de antepassados de maior porte. Os cientistas da Unesp e Stanford fizeram uma projeção para o futuro que não se mostrou muito animadora. Se todas as espécies de animais frugívoros hoje ameaçadas de extinção realmente vierem a desaparecer nos próximos anos, o encolhimento extremamente radical da fauna que houve nas ilhas se repetirá com a mesma intensidade nos continentes. Se isso realmente se materializar, o maior animal comedor de frutas da América do Sul será o guariba (Alouatta seniculus), um primata de meros 9 quilos, 840 vezes mais leve do que o extinto gonfotério. Infelizmente, nesse hipotético cenário futuro, a situação nas ilhas se revelou ainda mais aflitiva. Em Maurício, o maior animal será uma ave de apenas 9 gramas, de acordo com o levantamento.

Adaptado de: Revista de perquisa Fapesp- 03/04/09

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Como referenciar: "Tamanho não é tudo" em Só Biologia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 25/04/2024 às 20:21. Disponível na Internet em https://www.sobiologia.com.br/conteudos/jornal/noticia2.4.php